Internacional:
Tratado vinculante sobre empresas transnacionais e suas cadeias de abastecimento globais com relação aos direitos humanos
Para regular as atividades de empresas transnacionais e outras empresas via leis internacionais de direitos humanos é necessário estabelecer um instrumento jurídico vinculante como o que está atualmente em desenvolvimento no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Como seria isso?
Os governos estão atualmente negociando o texto de um projeto de tratado sobre empresas e direitos humanos. Este instrumento deve seguir as orientações detalhadas apresentadas pela sociedade civil global[1] e:
Reafirmar e operacionalizar a primazia dos direitos humanos e dos direitos da natureza (veja abaixo) sobre e acima do comércio internacional e de quaisquer acordos ou tratados associados.
Todas as ações tomadas para proteger os direitos da natureza devem reforçar e apoiar os direitos das pessoas, comunidades locais (incluindo camponeses, pescadores, nômades e povos rurais), povos indígenas e direitos coletivos.
Criar mecanismos legais nacionais e internacionais para responsabilizar juridicamente e sancionar empresas transnacionais poluidoras e outros negócios, obrigando-os a remediar e restaurar os ambientes que poluíram, danificaram ou impactaram negativamente; e compensar as pessoas afetadas.
Estabelecer obrigações diretas para as empresas transnacionais de respeitar os direitos humanos e os direitos socioeconômicos que abrangem as atividades de suas subsidiárias, empresas controladas e qualquer entidade em sua cadeia de valor global.
Isso também deve incluir a obrigação direta de respeitar todos os pactos e convenções relevantes das Nações Unidas, incluindo a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (sigla UNDRIP, do inglês 'United Nations Declaration on the Rights of Indigenous Peoples')[2] e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Áreas Rurais,[3] incluindo pescadores.
Estabelecer a obrigação do Estado de proteger os direitos humanos e os direitos da natureza de uma maneira holística e harmoniosa. Em outras palavras, a proteção dos direitos da natureza deve apoiar e garantir ainda mais a proteção dos direitos humanos e coletivos.
Adotar diretrizes que proíbam instituições econômicas e financeiras internacionais de dar dinheiro ou participar de atividades que, direta ou indiretamente, permitam que as empresas continuem a agir impunemente.
Proibir instituições financeiras internacionais de financiar a indústria de combustíveis fósseis e outras indústrias poluidoras.
Proibir que subsídios vão para as indústrias de combustíveis fósseis e de agronegócio.[4]
Eliminar os Acordos de Disputa entre Investidores e o Estado (sigla ISDS, do inglês 'Investor State Dispute Settlement'), pois este mecanismo tem sido usado por empresas para que se eximem da responsabilidade jurídica ou para que não respeitem os direitos humanos e da natureza; também tem sido usado para condenar formalmente Estados que priorizam a proteção e garantia dos direitos humanos e da natureza.[5][6]
Suspender todas as negociações de tratados de comércio e investimento.
Expandir essas medidas para a inadimplência no pagamento de dívidas pendentes como resultado de concessões de ISDS.
Revogar a imunidade de instituições financeiras internacionais, como a Corporação Financeira Internacional do Banco Mundial (sigla IFC, do inglês 'International Finance Corporation'), seguindo o exemplo da decisão inovadora da Suprema Corte dos Estados Unidos de que essas instituições podem ser responsabilizadas por danos ambientais, após a ação apresentada por pescadores indianos.
Para entender por que essas medidas são necessárias para avançar de forma significativa a responsabilidade jurídica e neutralizar as tentativas das empresas de evitar a responsabilidade, explore estes exemplos:
Estudo de caso Chevron e Texaco no Equador.
Estudo de caso sobre pescadores da Índia, Banco Mundial e Suprema Corte dos Estados Unidos.
Este relatório com 10 exemplos de como as empresas sequestraram a justiça por meio do ISDS.
Várias jurisdições começaram a desenvolver versões de regimes que consagram os direitos da natureza, incluindo Equador, Bolívia, Nova Zelândia e Índia. Nem todos esses regimes consideram toda natureza como pessoa jurídica; em alguns casos, partes da natureza –por exemplo, um rio ou uma espécie– recebem a condição de pessoa ou são equipadas para pleitear seus próprios direitos. Além disso, nem todos possuem medidas adequadas para garantir que a proteção dos direitos da natureza sirva para reforçar a proteção dos direitos humanos, o que é essencial. Veja aqui para obter mais informações sobre as medidas tomadas nesses países.
Implementação das medidas do roteiro de responsibilidade jurídica
Ao implementar as medidas estabelecidas neste roteiro, os tomadores de decisão e os movimentos em todos os níveis devem ter em mente:
A aprovação dessas políticas e medidas é simplesmente o primeiro passo para responsabilizar as indústrias poluidoras e destrutivas: haverá muito trabalho para funcionários do governo, tomadores de decisão, ativistas e sociedade civil para garantir que essas medidas sejam totalmente implementadas e nos levem em direção à mudança transformadora de que o mundo precisa.
A responsabilidade jurídica deve ser aplicada a todos os setores e empresas que tomam decisões de negócios que contribuem para as mudanças climáticas e tem impactos, ou que causam danos às pessoas e à natureza. Além da indústria de combustíveis fósseis, essas indústrias incluem, mas não se limitam a, a indústria do agronegócio, a indústria de madeira, papel e celulose, a mineração e o setor de energia.
Muitas dessas medidas podem ser igualmente aplicadas às empresas estatais. Como os contextos nacionais e as necessidades únicas variam de país para país, vale a pena considerar onde aplicar e como adaptar os princípios e medidas listados no roteiro de responsabilidade para lidar com as empresas poluidoras estatais. Ao fazer isso, os fatores a serem considerados podem incluir, mas não estão limitados ao grau de controle democrático na entidade, função, uso de financiamento de receitas de petróleo/ gás e capacidade de resposta da entidade para a transição para fontes de energia renováveis e regenerativas.
As medidas implementadas no nível nacional devem apoiar e reforçar, ao invés de contradizer, as medidas implementadas no nível subnacional e local, e vice-versa.
1 Global Campaign to Reclaim People's Sovereignty, Dismantle Corporate Power and Stop Impunity. Treaty on Transnational Corporations and Their Supply Chains with Regard to Human Rights: Treaty Text Proposal, October 2017, accessed August 25, 2020, https://www.stopcorporateimpunity.org/treaty-transnational-corporations-supply-chain-regard-human-rights/.
2 The United Nations General Assembly. "Declaration on the Rights of Indigenous People," New York, 2007.
3 UN Human Rights Council. "United Nations Declaration on the Rights of Peasants and Other People Working in Rural Areas," resolution adopted on 28 September 2018, 39th sess., Geneva, accessed August 25, 2020, https://digitallibrary.un.org/record/1650694?ln=en.
4 Oil Change International. "Fossil Fuel Subsidies Overview," Fossil fuel subsidies, 2018, accessed August 25, 2020, http://priceofoil.org/fossil-fuel-subsidies/.
5 Friends of the Earth Europe, Friends of the Earth International, Corporate Europe Observatory, and Transnational Institute. "Red Carpet Courts: 10 stories of how the rich and powerful hijacked justice," June 2019, accessed August 25, 2020, https://10isdsstories.org/.
6 Corporate Europe Observatory and Transnational Institute. "Cashing in on the pandemic: how lawyers are preparing to sye states over COVID-19 response measures'" May 19, 2020, accessed August 25, 2020, https://longreads.tni.org/cashing-in-on-the-pandemic.